Saturday, October 18, 2008

Oitenta e três dias no pique de Caco Barcellos (parte 2)

O primeiro dia

Quatro meses de trocas de e-mails se seguiram, alguns telefonemas sem retorno outros com respostas vagas... E a falta de tempo impedia uma longa conversa. Dia vinte e seis de janeiro de 2007, sexta-feira, 19h. Procuro na agenda do celular o precioso número, conquistado a duros micos. Só naquele dia meus dedos já tinham buscado aquele mesma seqüência de algarismos por cinco vezes. Imaginava que de novo a simpática secretaria eletrônica me atenderia.

- Alô.
A voz rápida de Caco Barcellos respondeu.
- Oi Caco, é a Carla do Mackenzie. Tudo bem?
- Tudo bem e você?
- Tudo certo. Liguei pra saber como você está de tempo.
- Eu estou aqui em Florianópolis, vim fazer uma palestra. Mas volto pra São Paulo ainda hoje. Se você quiser conversar. Devo chegar no aeroporto por volta de 21h30.
- Se pra você tudo bem, por mim está ok.
Algumas opções de lugares, frases para entender qual seria o local da conversa. Um café 24 horas na Praça Benedito Calixto. Horário marcado, 22h15.

A ansiosa espera foi interrompida às 22h24 pelo toque do celular.
- Carla?
- Sim.
- Tudo bom?
- Tudo bem.
- Você já está no café?
Imaginei que ele iria desistir, tudo parecia muito perfeito pra ser verdade.
- Sim.
- Estou a caminho, daqui a pouco chego.
- Tranqüilo! Sentei na primeira mesa, ao lado direito do caixa.
- Ok! Até.

Não demorou muito. Ele entrou com uma mochila preta nas costas e uma mala na mão. Camisa branca. Olhos azuis. Cabelo grisalho. Estatura mediana. Ele estava na minha frente! Confesso sofri de nervosismo súbito. O repórter que despertara meu interesse com seus livros btilhantes e envolventes queria saber de mim. Com atenção extrema perguntou sobre minha vida, meu trabalho. Naquele dia o gravador permaneceu distante. Um bate-papo, só isso. Mesmo cansado Caco embalou na conversa até quase 1h. Contou de seus mil planos e me deixou a par da última novidade (na época), ele fora convidado para escrever uma peça para o Teatro Nacional de Londres. Sem falar das apurações para o novo livro que ele pensa em escrever, mas por enquanto só pensa. Já adiantou que deve ser um livro envolvendo violência, mas prefere não se comprometer. "Não gosto de dizer que estou escrevendo quando ainda não estou. As pessoas começam a me perguntar e eu me cobro muito. Fico falando pra mim mesmo, Caco, onde está o livro que você disse que estava escrevendo?". Não falando muito do livro ele consegue garantir discrição.

Ainda nessa noite presenciei dois episódios dignos de entrar para este relato. Um mais simples, a mulher se aproximou, pediu desculpas por atrapalhar nossa conversa, "mas não poderia ir embora sem dizer que admiro muito seu trabalho, parabéns!". Comovida ela saiu, tímido Caco ficou. Mas o melhor foi quando um menino, aparentava uns 16 anos, se aproximou da mesa, "você é da Globo né?", o jornalista respondeu afirmativamente. "Do jornal da Globo?", perguntou o rapazinho. Caco se enrolou um pouco. O menino ficou em silêncio, já não sabia o que dizer, o assunto acabara, mas permaneceu ali estático e eis a jóia: "Muito prazer em te conhecer". Sim, se essa frase tivesse saído da boca do jovem tudo caminharia dentro da mais perfeita normalidade, mas foi Caco quem disse. Se deu conta que o garoto ficara sem graça. O zelo por cada pessoa que passa ao seu lado é extremo. Fui para casa com uma certeza, Caco Barcellos é um ser H-U-M-A-N-O, com todas as letras. Uma pessoa sensível, paciente e tolerante.


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