Sunday, October 19, 2008

Oitenta e três dias no pique de Caco Barcellos (parte 4 - FINAL)

Os dias correm e o tempo voa

Tentativas de entrevistas diárias. Num determinado momento a preciosa seqüência de algarisos que me permite falar com Caco já estava presa na cabeça. Se antes precisava de anotações, agora precisava de sorte. Alguns dias Caco não consegue atender sequer uma ligação. "Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de...". Quem consegue ouvir isso até o fim? Uma voz chata e apressada interrompe o que poderia ser o alô que tanto esperava. mas não é só de entrevistas que se constrói uma matéria.

Três de março de 2007. Sábado, 17h. Avenida Luis Carlos Berrini, Central Globo de jornalismo. No pequeno (na época) espaço reservado para a equipe do Profissão Repórter uma mala grande chama a atenção. Os olhos azuis estão bem pequenos, a dicção sente o cansaço. Já soma quase 30 horas acordado. Caco chegou na redação pela manhã, viera direto de Colniza, uma cidade no interior de Rondônia, onde gravara parte do programa que teve como tema a violência. Alguns exercícios que aprendera com a fonoaudióloga foram a saída para destravar a língua e então gravar os textos do off. A cada erro "3,2,1.." e continuava de onde tinha parado.
Fora de casa há alguns dias. Família com saudades. A filha caçula no celular. O repórter atende o aparelho móvel como se não tivesse mais nada no mundo pra fazer, a não ser falar com a pequena que reclama seus cuidados. Consegue negociar com ela um prazo maior pra chegar em casa.

Semana seguinte: Bush vem para o Brasil. Não há tempo nem sequer pra respirar. Sete de março 21h, aeroporto internacional de Guarulhos. Nenhuma informção. Caco anda de um lado para o outro, olha firme, sério, como só a timidez pode deixá-lo. Observa cada detalhe, cada ângulo. Momento de busca da notícia. Caco explica, "estou andando pra ver se alguém fala comigo, me procura para dar informação". Nada. Horas no aeroporto e nada. Repórter sempre calmo. Giro pela cidade. Porta do Hilton (onde o presidente dos Estados Unidos ficara). Nada. A turma se despede, mas Caco tem cara de que ainda vai trabalhar... Dia oito de março. Poucas horas de sono. Continuam as buscas. Só às 18h chego no aeroporto. Caco estava gravando a abertura. Aceita sugestões e críticas de toda a equipe. Bush demora. O repórter vai de um lado para o outro no aeroporto. Um dia todo andando de moto por São Paulo (foi o jeito que Caco encontrou para se livrar do tráfego). Cansado, com dores, e ainda assim consegue ser atencioso com cada pessoa que se aproxima.

A calma parece ter encontrado seu lugar, nasceu em Porto Alegre no dia 5 de março de 1950 e dali não mais saiu. Uma tranqüilidade que chega a impressionar. Mesmo se o repórter apresenta uma característica curiosa: como uma pessoa assim, calma, demonstra tanto interesse por assuntos pesados, dramáticos e frenéticos? Não seria mais lógico imaginar uma personalidade assim trabalhando na editoria de cultura ou de turismo? Mas não! Talvez seja essa calma que o ajuda nos momentos de tensão nas coberturas de alto risco. A agitação passa longe e deixa espaço para uma reflexão mais apurada. Reflexão que só seria possível na calmaria.

Trânsito. Só pode ser ali, ele deve ter uma válvula de escape. Ilusão. Continua calmo. Engarrafamento. O motorista de trás buzina com força. Calma. Tem pressa de chegar em casa e ... Calma. INCRÍVEL. Se não com o carro na mão, só pode ser com a bola no pé. Vinte e sete de março, 22h09, num campo próximo à Globo uma turma se junta pra jogar futebol. Caco está lá. Demora a notar minha presença. Continua sempre paciente, educado e sem vaidades de estrela. Vai buscar as bolas que saem de campo. Pede desculpas depois de um lance difícil. O uniforme perfeito. A equipe meio perna travada, mas ele se move como um craque, mesmo se insiste em dizer que o desemprenho já não é o mesmo.

Vinte e quatro de março, 17h. Rua Coimbra, bairro do Brás. Matéria sobre imigrantes no Brasil. Rua repleta de bolivianos, depois de uma semana de trabalho duro eles saem para descansar e nessa mesma rua, onde muitos firmaram residência, acontece uma espécie de quermesse. Caco, Emílio, o câmera, e um assistente caminham rápido, querem aproveitar os últimos raios de sol. O repórter se concentra. Os grupos que passam tentam aparecer no vídeo. Já são quase 21h quando o trabalho acaba. No dia anterior Caco levara um dos filhos para praia, voltara e naquele mesmo dia iria ainda botar o carro na estrada com a família para passarem juntos um dia na praia.

Onze de abril, quarta-feira. Noite inteira trabalhando. Movimento sem-teto prometia invadir um prédio, a equipe do "Profissão Repórter" foi cobrir a ocupação. Sem dormir tomou café da manhã. Dentista. Coletiva de imprensa com grupo de 7ª série da Escola da Vila. Um convite insistente e ele acabou indo. Chegou atrasado. Cansado. Respondeu a cada pergunta com zelo extremo. Continua tentando aprender a dizer não de vez em quando. Ele explica que as solicitações para palestras e eventos são muitas e que dar uma resposta negativa é tarefa difícil.

Treze de abril, sexta-feira. De manhã, gravação no Rio de Janeiro. À noite uma palestra no cetro de São Paulo. A revista "Caros Amigos" completou dez anos, fez um ciclo de palestras e o convidou. Hora marcada: 20h. Nada. Ainda tentava chegar em São Paulo. Tempo de crise aérea, a incerteza é total. Em São Paulo salão lotado, a popularidade do jornalista é grande. O tempo passa. Uma programação para entreter. Duas horas depois... ele não chega. Algumas pessoas precisam ir. Muitas ficam. A sala continua cheia. O tempo ainda corre um pouco mais. Caco aparece. A multidão ainda o aplaude. Conversa. Perguntas. O ponteiro dos segundos parece acelerado, puxa com ele o dos minutos e a hora passa. A palestra acaba. As pessoas querem falar com Caco. Um grande número de estudantes o circunda. Autógrafos de um lado. Fotos de outro. Cansaço. Missão cumprida. Satisfação. Mas a vida não pára! Um repórter está sempre atrás de histórias e até a volta para a casa, depois de um dia repleto de atividades, pode significar o surgimento de uma nova pauta. Quem sabe o que pode acontecer?




 

Oitenta e três dias no pique de Caco Barcellos (parte 3)

Contra a correnteza

Agosto de 1972, Carlos Alberto Kolecza, jornalista de Porto Alegre, conheceu um estagiário da Folha da Manhã, rapaz de 22 anos que ganhava a vida como taxista. Estilo hippie, barba encobrindo o rosto, longos cabelos encaracolados, calça boca de sino e jaqueta no corpo. Cláudio Barcelos de Barcelos era seu nome. Pessoa simples, aberta a sugestões, humilde. Trinta anos depois Koleza encontrou  o então Caco Barcellos, jornalista renomado da rede Globo, um dos maiores repórteres de investigação do país, autor do sucesso "Rota 66" e da obra-prima, menos conhecida, "A Revolução das Crianças", um relato sobre a revolução sandinista na Nicaráragua. Agora lançava outro sucesso, o "Abusado", um livro que relata a situação do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro. Kolecza foi conferir o rumo que teria tomado aquele que um dia foi seu estagiário. Barba feita, cabelo aparado, camisa alinhada, já não mais taxista. Caco se tornara um ícone do jornalismo brasiliero, mas... "Continua o mesmo!", garante Kolecza, sem sombra de dúvidas. Atencioso com todos que o procuram, humilde e o melhor, ele ascendeu socialmente mas não esqueceu, não chutou de escanteio as questões que envolvem os menos favorecidos.

Repórter por vocação, Caco antes sonhara ser jogador de futebol, engenheiro, matemático... Mas quisera a vida que ele entrasse para o mundo das letras que preenchem espaços brancos nos papéis. Mesmo se insiste em afirmar: "Eu não sou tanto jornalista". Uma expressão, a princípio, sem sentido. Mas que passa a ser crível a partir de uma simples explicação. O mundo dos jornalistas que se criou é uma redação abarrotada de cabeças, braços e pernas que não conseguem caminhar nas rus. Navegar na internet e percorrer a linha telefônica basta. Mas existe alguém que sonha em  morrer fazendo reportagem pelo mundo  e que nunca conseguiria se enquadrar no perfil estabelecido para o profissional de comunicação: Caco.

Se deixar levar pelas correntes marítimas é simples, mas Caco é ousado, faz aquilo que considera correto, não importa como. Um ser que nada contra a corrente acaba adquirinto músculos, força, técnicas que acabam desconhecidas por aqueles que se deixam levar pelas águas.

Saturday, October 18, 2008

Oitenta e três dias no pique de Caco Barcellos (parte 2)

O primeiro dia

Quatro meses de trocas de e-mails se seguiram, alguns telefonemas sem retorno outros com respostas vagas... E a falta de tempo impedia uma longa conversa. Dia vinte e seis de janeiro de 2007, sexta-feira, 19h. Procuro na agenda do celular o precioso número, conquistado a duros micos. Só naquele dia meus dedos já tinham buscado aquele mesma seqüência de algarismos por cinco vezes. Imaginava que de novo a simpática secretaria eletrônica me atenderia.

- Alô.
A voz rápida de Caco Barcellos respondeu.
- Oi Caco, é a Carla do Mackenzie. Tudo bem?
- Tudo bem e você?
- Tudo certo. Liguei pra saber como você está de tempo.
- Eu estou aqui em Florianópolis, vim fazer uma palestra. Mas volto pra São Paulo ainda hoje. Se você quiser conversar. Devo chegar no aeroporto por volta de 21h30.
- Se pra você tudo bem, por mim está ok.
Algumas opções de lugares, frases para entender qual seria o local da conversa. Um café 24 horas na Praça Benedito Calixto. Horário marcado, 22h15.

A ansiosa espera foi interrompida às 22h24 pelo toque do celular.
- Carla?
- Sim.
- Tudo bom?
- Tudo bem.
- Você já está no café?
Imaginei que ele iria desistir, tudo parecia muito perfeito pra ser verdade.
- Sim.
- Estou a caminho, daqui a pouco chego.
- Tranqüilo! Sentei na primeira mesa, ao lado direito do caixa.
- Ok! Até.

Não demorou muito. Ele entrou com uma mochila preta nas costas e uma mala na mão. Camisa branca. Olhos azuis. Cabelo grisalho. Estatura mediana. Ele estava na minha frente! Confesso sofri de nervosismo súbito. O repórter que despertara meu interesse com seus livros btilhantes e envolventes queria saber de mim. Com atenção extrema perguntou sobre minha vida, meu trabalho. Naquele dia o gravador permaneceu distante. Um bate-papo, só isso. Mesmo cansado Caco embalou na conversa até quase 1h. Contou de seus mil planos e me deixou a par da última novidade (na época), ele fora convidado para escrever uma peça para o Teatro Nacional de Londres. Sem falar das apurações para o novo livro que ele pensa em escrever, mas por enquanto só pensa. Já adiantou que deve ser um livro envolvendo violência, mas prefere não se comprometer. "Não gosto de dizer que estou escrevendo quando ainda não estou. As pessoas começam a me perguntar e eu me cobro muito. Fico falando pra mim mesmo, Caco, onde está o livro que você disse que estava escrevendo?". Não falando muito do livro ele consegue garantir discrição.

Ainda nessa noite presenciei dois episódios dignos de entrar para este relato. Um mais simples, a mulher se aproximou, pediu desculpas por atrapalhar nossa conversa, "mas não poderia ir embora sem dizer que admiro muito seu trabalho, parabéns!". Comovida ela saiu, tímido Caco ficou. Mas o melhor foi quando um menino, aparentava uns 16 anos, se aproximou da mesa, "você é da Globo né?", o jornalista respondeu afirmativamente. "Do jornal da Globo?", perguntou o rapazinho. Caco se enrolou um pouco. O menino ficou em silêncio, já não sabia o que dizer, o assunto acabara, mas permaneceu ali estático e eis a jóia: "Muito prazer em te conhecer". Sim, se essa frase tivesse saído da boca do jovem tudo caminharia dentro da mais perfeita normalidade, mas foi Caco quem disse. Se deu conta que o garoto ficara sem graça. O zelo por cada pessoa que passa ao seu lado é extremo. Fui para casa com uma certeza, Caco Barcellos é um ser H-U-M-A-N-O, com todas as letras. Uma pessoa sensível, paciente e tolerante.


Wednesday, October 15, 2008

Oitenta e três dias no pique de Caco Barcellos (parte 1)

Importante nota: Escrevi uma espécie de making off do livro ainda não publicado "No Campo da Reportagem: um perfil do jornalista Caco Barcellos", resultado de meu trabalho de conclusão de curso no Mackenzie. Dividi o texto em quatro partes. Espero que vocês gostem e esperem ansiosos pelos outros 3 posts!



- Alô, por fvor, o Caco.
- Só um minutinho.
Tam, tam, tam... Tam, tam, tam... Melodia suave e repetitiva. Música de espera no telefone.
- Alô.
- Caco? - o coração acelera.
- Sim.
Me apresento e a voz consegue se manter firme, mas o corpo gela, uma emoção quase infantil vem à tona.
- Admiro muito seu trabalho e gostaria de fazer um livro-perfil sobre você.
A espera de uma resposta...
- Sim.
Uma palavra seca me pede explicações.
- A proposta do meu trabalho é acompanhar sua vida. Fazer com você talvez um pouco daquilo que você fez em seus livros. Seguir de perto sua rotina entende?
- Tem alguma coisa estranha.
- Não, não, não. É bem simples, só quero fazer um perfil seu. Alguém já escreveu um livro sobre você?
- Não. Mas você está falando de livros meus?
- Sim, você não escreveu livros?
- Não.
- Como não? Rota 66, Abusado...
- Nunca escrevi.
- Você não é o Caco Barcellos?
- Não...
- Mas ao menos trabalha na Globo?
- Não, eu trabalho em uma copiadora!
A emoção e o nervosismo saíram de cena e a comicidade deixou para trás o que poderia vir a ser uma tragédia.
- Me desculpe então. Um amigo me passou esse número como sendo do jornalista Caco Barcellos.
Conter as gargalhadas nem passou pela cabeça.
- Tudo bem! Te desejo boa sorte no seu trabalho.
- Obrigada e desculpe a confusão.

Cômico e desesperador. Não era o Caco Barcellos. O fone recuperou seu lugar na base. Não fora ainda daquela vez, mas desistir estava fora de cogitação. A busca começou às 13h de um dia no começo de outubro de 2006. Amigos ajudam. Google também. Mas a cara de pau é a verdadeira aliada. Passadas cinco horas de busca intensa, uma desculpa convincente conquistou o precioso número de Caco Barcellos. Números sussurrados ao léu por um colega de TV onde o conhecido jornalista trabalha. E agora faltava só a coragem! Com certeza aquele era o número exato e quando ouvisse o "alô" do outro lado da linha precisaria ser firme e audaciosa. Imaginava falar com uma estrela brilhante, global, plantada bem no alto do céu.

O discurso se repetiu "admiro seu trabalho, seus livros...", dessa vez o interlocutor questionou outros pontos, argumentou com veemência.
- Mas minha vida é corrida, é uma loucura.
- É isso mesmo que eu preciso sentir, como é, de fato, o seu trabalho.
- Tudo bem, mas não falo da vida pessoal.
- Ok! Sem problemas, o que interessa para o meu trabalho é você como jornalista.

O "treinamento" realizado anteriormente com o Caco da copiadora acabara sendo bem útil, mas a ingênua alegria de ter falado com um ídolo persistia. A notícia tão aguardada: ele fora condescendente com a minha proposta. Yes!!! 




Uma simples explicação

Já faz mais de um ano que me formei, que deixei o "Diário de São Paulo", que escrevi o livro sobre o Caco Barcellos (e ainda não publiquei), que estou nos Estados Unidos sem produzir nada, jornalisticamente falando. Pois bem, noite passada conversando com meu travesseiro, me dei conta que realmente gosto de esrever sobre pessoas. Sou uma apaixonada pelas histórias humanas, pelos fatos que passam desapercebidos no nosso cotidiano mas que são fundamentais para entender quem cada um é. Resolvi então criar o "Palavras do Espelho". No espelho cada ângulo mostra um diferente ponto de vista. Sua visão depende somente do lugar onde você está. Eu quero estar dentro do espelho. Quero ser o espelho. Quero assistir o como cada um se vê e o como as pessoas o vêem, quero captar os fatos do dia-a-dia e traduzir em palavras as imagens refletidas em mim. O Jornalismo Literário, que me conquistou anos atrás, vai ser a chave de tradução, espero eu!

Comentários, críticas, sugestões, correções... Tudo é muito bem-vindo!